Sob a lua vermelha de novembro...

Quando tudo isso começou? Quando as engrenagens do destino começaram a girar? Talvez seja impossível achar a resposta agora, profunda no fluir do tempo...

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Local: São Paulo, SP, Brazil

Eu? Apenas mais um andante solitário...mas todos os andantes tem uma ou outra lição a passar devida à sua intimidade com a estrada. A estrada é sábia. Embora seja certo que o caminho ainda segue muito à frente... quantas lições nos esperam?

domingo, maio 29, 2005

Epitáfio de um poeta

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Vivi muitas vidas que não eram minhas...
Respirei muitos ares que não eram meus...

Trabalhei solitário: a lua era minha amiga;
da alma espremi cada gota que o céu verteu.

Escrevi muitas palavras...
algumas nobres, algumas levianas,
todas com tinta de sangue.

Às vezes tinha sede, e bebia lembranças.
Às vezes tinha fome: comia sonhos.

Às vezes minhas lágrimas vinham me visitar à janela...
até hoje não sei de onde vinham e para onde partiram.

Uma vez dormi, e meu coração me roubou segredos.
Quando acordei, meu maior segredo era não ter segredos.

As pessoas me perguntavam
como conseguia achar as palavras;
ainda não descobri para dar a resposta.

Amei o mundo como a mim mesmo:
descobri que ele fazia o mesmo.

Resolvi um dia que queria sofrer:
Apaixonei-me, e aprendi a lição.

Muitos perguntaram como cheguei ao pico;
respondi-lhes que não tive medo de cair.

Muitos perguntaram como sempre melhorava;
respondi-lhes que nunca tive medo de voar.

Nunca tive medo da morte.
Morri, mas sei que não teria medo
de viver tudo novamente.

Ass: Um poeta



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(Autor: Bruno Neves Oliveira)

sexta-feira, maio 20, 2005

Reflexões (1)



Tons rosados do entardecer...

Outro dia me veio à mente o maravilhoso (e filosófico) filme “Matrix”. Em uma parte dele, a esposa do personagem chamado Merovíngio diz aos amantes Neo e Trinity: “Eu os invejo; mas um amor assim não está fadado a durar”. Há muita verdade nisso. De fato o tempo, pouco a pouco, vai-nos comendo os amores, a beleza, a pureza, a inocência. Não é só conosco, entretanto. A flor considerada mais bela é a que dura menos tempo. Assim como o tom róseo mágico de alguns finais de tarde não se demora a extinguir. O tempo é um eterno devorador da perfeição...


Vale lembrar, contudo, que talvez a bela rosa seja tão incrível, tão única, justamente devido à sua fugacidade nos domínios cronológicos. O fato de sua beleza ser breve não a diminui; ao contrário: torna-a rara. A juventude é como a rosa. O momento mais belo e, talvez por isso, o mais doloroso. Sim, pois o tempo põe tudo sobre a balança. Pagamos o preço da juventude com a dor. Pagamos a maciez das nossas carnes, a saúde de nossos corpos, com o sofrimento do coração. A adolescência é o real teste da vida. Aqueles que conseguem ultrapassá-la, superá-la (pois nem todos os que a ultrapassam a superam) se tornam outros. Tornam-se o que chamamos “adultos”. Essa é a verdadeira razão da maturidade. Ganhamos sabedoria com a dor.

A conclusão é clara. O resultado desse processo é, muitas vezes, o desprezo, a tendência ao esquecimento dessa fase da vida como uma tentativa de apagar as dores, as lembranças, as dificuldades que a permeiam. Assim é como menosprezamos um dos momentos mais fabulosos da vida: o milagre do derradeiro (e fugaz, de fato) cume do desabrochar de uma rosa....


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(Autor: Bruno Neves Oliveira)

quinta-feira, maio 12, 2005

Um dia (epitáfio)

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Um dia...


Um dia acordei, e percebi que a vida estava passando por mim, e não eu por ela. Acordei e percebi que a vida estava me usando, e não eu a ela. Percebi que corria desesperado para um ponto que nunca chegava. Nesse dia... resolvi aprender a viver.

Sentei-me então sob uma árvore, e observei o céu que se clareava na aurora do dia. Aprendi a amar o desabrochar tênue de céu e sol.

Então senti o frio do ar orvalhado no meu rosto, corando minhas bochechas e enregelando meus ossos....e aprendi a amar o frescor do vento matutino.

O dia clareava cada vez mais, e o sol tingia de dourado tudo ao meu redor. Assim, aprendi a amar o brilho do sol.

Os pássaros cantavam nas árvores. Ouvia o gorjeio dos bem-te-vis nas copas. E aprendi a amar os pássaros gorjeando nas copas.

Meio-dia, o céu estava limpo, sem nuvens. Aprendi a amar a limpeza dos céus.

Algum tempo depois, apareceram nuvens. Brinquei de procurar imagens em suas formas. Aprendi a amar brincar com nuvens e formas.

As nuvens se espalhavam. Estavam por toda parte e cobriram o sol. E eu aprendi a amar os colchões de nuvens.

Então enegreceram, o ar ficou úmido. E então eu aprendi a amar a preparação das nuvens e o cheiro da chuva.

Caíram gotas, e depois mais, e depois o chão ficou repleto delas. Ali aprendi a amar o som da chuva.

Vieram os relâmpagos colorindo o céu. Aprendi a amar a cor da chuva.

Mais tarde, a água parou de cair, e tudo ficou em silêncio. Aprendi a amar a dádiva de silêncio da chuva.

Entardecia, o sol se punha entre as montanhas. Então aprendi a amar o brilho do sol entre as montanhas.

As nuvens que estavam nos ares se tingiam de um róseo escarlate magnífico. Aprendi então a amar o coração dos céus.

O sol se pôs, e o azul claro foi escurecendo. Aprendi a amar o nascimento do azul-escuro celeste.

Ficou tudo preto. Apareceu a primeira estrela. Aprendi ali a amar a estrela na escuridão.

Estrelas foram pipocando, uma a uma. O céu virou um emaranhado de pontos por todos os lados. E eu aprendi a amar os feixes prateados que formavam labirintos acima de mim.

A lua surgiu no céu, dourada. Aprendi a amar a fusão de sol e lua.

A lua desceu no céu, em prata. Aprendi a amar o gongo das alturas.

O dia terminou assim, e surgiu um novo. Aprendi a amar o novo dia.

E passaram-se dias, e dias, e mais dias ainda. Aprendi a amar a passagem dos dias.

E passaram-se meses. Aprendi a amar as passagens dos meses.

E passaram-se anos. Aprendi a amar a passagem dos anos.

Até que um dia morri, mas sabia que aprendera a amar... a vida.



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(Autor: Bruno Neves Oliveira)

domingo, maio 08, 2005

Sonhos pela janela

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Sonhos pela janela (Noite de Inverno)


Um olho espia a floresta;
Olho branco subindo o céu
colorindo vidro... – criando tela?

Frio, a janela trincada;
o bailar do granizo, na estrada.
E além, a mata, o manto de nuvem,
a morte brilhante e a vida em ferrugem.

Segundos deslizam, desliza
um floco pelo condão do céu;
O lago de cristal... – abaixo, acima?

O olhar sob jugo: a noite caía;
os ouvidos agudos enquanto a lua subia.
Preto, prata, os ventos uivantes
carregando lamentos de caninos distantes.

Distantes...uma dança de vultos
sob uma lua cheia;
Um eco passado... – ou futuro?

Sons me vigiam, de galhos disformes;
os ponteiros deslizam para a hora da morte
e chegam; soam notívagos tambores sem som
num frenesi mudo, surdo, entre traços marrons...

A agonia da terra num pio
de coruja (ouça!); a vida
suspensa (sinta!) no ar por um fio;

E tudo pára: um momento;
um segundo – sem alma, sem cor.
Fugaz instante, os sonhos ao vento,
os frescos alentos – sem morte, sem dor.

E o tempo parou, parou o relógio;
a natureza findou, fundiu, dissipou
a tensão dos longos dias de ócio...

Condensa-se frio, em minha janela;
Ligeiro, frágil sopro, um silfo de lábios
espalha uma suave malha de névoa
d’um sonho que foi-se...na janela ao lado.


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(Autor: Bruno Neves Oliveira)

sexta-feira, maio 06, 2005

As três Jóias do Imperador

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As três jóias do Imperador


Existe uma lenda que conta o seguinte: há muito tempo, existia um imperador, que morava em um reino qualquer longínquo - cujo nome já foi esquecido - que decidira reunir junto de si as três virtudes que mais prezava: a inocência, a beleza e a sabedoria. Refletindo consigo, ponderou que deveria manter primeiro três pessoas com essas três qualidades marcantes consigo para que pudesse aprender também a desenvolvê-las.


Expediu, então, um decreto, ordenando que todos os rapazes do reino comparecessem, um certo dia, frente ao palácio. Dessa forma, realizou testes e testes com todos esses jovens, até conseguir aqueles nos quais considerou ter encontrado as três virtudes em estado de perfeição. O jovem que encarnava a inocência em si era um garoto de 16 anos, e seu nome era Kanin. O que encarnava a beleza, a graça, a suavidade, tinha 18 e se chamava Sonnes. O terceiro, que portava o dom da sabedoria, tinha o nome de Valyr e 20 anos.

Congratulou-os então, com três jóias. Ao que manifestava mais inocência, deu um diamante azul claro. Ao que manifestava mais beleza, deu um Rubi vermelho, e ao que manifestava sabedoria, deu uma safira de cor verde. Após essa realização, convidou-os para que morassem consigo em seu palácio e prometeu que os amaria tanto quanto amava as três virtudes que possuíam. Nenhum deles recusou.

Durante os próximos anos, o soberano sempre se alternava entre os três aposentos. No aposento de Kanin, desfrutava-lhe a inocência e a pureza. Às vezes conversava com ele muitos tópicos seguidos e importantes ao reino, para conseguir captar a opinião do coração do garoto. Seu quarto era principalmente simples e límpido, e a cor branca predominava. Durante muito tempo visitou com maior freqüência os aposentos de Kanin.

Ao quarto de Sonnes ele também ia muito, e desfrutava-lhe a beleza e a suavidade de ser sob os lençóis de sua cama, que era da mais fina seda. Tudo em seu quarto era belo e atrativo, e ele usava os mais finos produtos sobre seu corpo. Sua mesa era repleta de iguarias requintadas. Gostava muito de suas aventuras juntos, mas ia menos ao quarto dele que ao de Kanin.

Ao último aposento, de Valyr, também tinha gosto em visitar. Horas se passavam enquanto os dois discutiam filosofia mundana e espiritual, e quando já era tarde, dormiam um aos ombros do outro. Seu quarto era repleto de livros e de jogos variados. Dos três, porém, esse era o aposento que mais raramente visitava.

Eis as três jóias do imperador. E, por muito tempo ele desfrutou dessas três jóias a seu gosto. Nesse tempo, sua fama se espalhou desde as costas do continente até o outro lado do mundo, e pelos sete mares se sabia seu nome e sobre suas três maravilhosas jóias que possuía consigo. O Imperador possuía renome, e de toda parte do mundo chegavam peregrinos com o intuito de admirar os três querubins brilhantes do imperador. Seus negócios então prosperaram, e sua felicidade não conhecia limites.

Chegou, contudo, o dia, em que o soberano chegou ao quarto de Kanin, e viu suas mãos cheias de moedas de ouro. Viu que o ouro o deleitava: ele aprendera o valor do dinheiro. Não tardou para que Kanin perdesse a inocência e sua jóia ficasse cheia de máculas e de escuridão. Foi banido do palácio. O rei prometera amá-los à medida que amava suas virtudes. Kanin perdera sua virtude e, por conseqüência, seu amor.

Ainda, porém, restavam duas jóias, e dois aposentos. Então o Imperador novamente se deleitou e ficou contente. E continuavam vindo peregrinos de toda parte para admirar-lhe as duas jóias. Pelos sete mares, ele estava na boca de todos os marujos. Só se falava das duas maravilhosas jóias do imperador. E então passou a visitar os dois aposentos remanescentes com ardor ainda maior. Visitava, porém, bem mais o aposento de Sonnes e ia pouco ao de Valyr.

Pois chegou o dia em que Sonnes se tornou gordo e rugas tomaram de assalto sua face sem que se pudesse mais escondê-las. A jóia vermelha ficou menor e menor, até que sumiu por completo. Sonnes foi banido então do palácio. Mais uma jóia havia se perdido.

Restara somente uma jóia, uma única das três maravilhosas jóias que possuía o imperador. E o imperador estava triste. Passou, porém, a visitar freqüentemente os aposentos de Valyr. Uma vez, porém, abraçado junto a ele, na cama, lamentou em voz alta:

“Perdi duas das jóias mais preciosas que jamais encontrei. Tive felicidade com elas por duas vezes, e por duas vezes me entristeci com a sua perda irremediável. O que me resta agora, senão perder a última raridade? Quando perderei minha próxima jóia?”

Valyr, porém, não estava dormindo; chegou-lhe aos ouvidos e lhe disse:

“Nunca perderás essa última jóia, meu senhor, agora que já a encontrou. A não ser, evidentemente, por vontade própria. A jóia da sabedoria não se macula com o ouro, tampouco perde seu viço com o tempo. Ao contrário, fica cada vez mais polida e cada vez mais brilhante. Aqueles que cuidam dessa jóia podem torná-la um verdadeiro farol, de modo que outros também a vejam e sigam para fora da escuridão.”

O imperador então olhou para sua última jóia, e de repente soube que tudo isso era verdade. A jóia brilhava mais do que todas as outras, e crescera com o passar dos anos.
Porém isso não amenizava sua tristeza. De fato, ficava mais e mais triste. Só que sua tristeza agora havia se elevado. Era a melancolia do conhecimento das dores da vida. Ele nunca havia pensado em tal fato antes. Talvez a luz da jóia verde estivesse o guiando, também, para fora da escuridão.

“Nunca mais voltarei a rever minhas jóias. Porque uma me bastaria, quando já tive três?”

Ao que Valyr retrucou:

“Uma já o bastará, pois agora tem o tamanho das três juntas, e portanto lhe trará a mesma felicidade que as duas outras lhe trouxeram.”

O rei então lamentou, em agonia:

“Por que, porque perdi minhas duas jóias? Ninguém mais as admirará, e os peregrinos se afastarão do meu palácio, assim como meu nome será esquecido nos sete mares.”

Valyr não se intimidou.

“Novas jóias nascem, e outras devem perecer para que elas cresçam e reluzam, e tornem a perecer. Conhecer esses ciclos inevitáveis da vida é conhecer o mundo e conhecer a si mesmo. E isso lhe traz mais felicidade, e essa felicidade não é perene, pois se sustenta sobre a perenidade. Os feitos das duas primeiras jóias serão esquecidos pelo povo em pouco tempo, mas os feitos e a fama de sua terceira jóia será recordada por séculos e séculos, mesmo após a morte de muitos e muitos homens e o final de muitos ciclos, porque não está no mesmo nível que eles, mas sim sobre suas colunas.”

O soberano então se calou; e, olhando nos olhos do amado, soube que era verdade.
Enfim ele se ergueu, e seus olhos levavam um brilho estranho, verde, que nunca mais deles se separaram.

Até hoje esse rei é lembrado pelo seu povo. Não pelas suas duas primeiras jóias, mas pelos feitos da terceira, que foram magnânimos. O triplo de peregrinos naquela época passou a visitar o palácio para admirar a mais bela jóia do Imperador, a única que tinha o dom de vencer o tempo.

Conta-se que o rei e sua jóia morreram avançados em idade, e foram enterrados lado a lado. Muitos daqueles que visitavam seu túmulo, em dias posteriores, afirmaram que uma névoa esverdeada cobria seu repouso derradeiro. Uma prova que, nem na morte, a jóia pudera ter seu brilho apagado. Prova que nem a morte apagou a última, a mais perfeita das jóias do Imperador...


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(Autor: Bruno Neves Oliveira)