Dois guerreiros, a espada e a lua / Primeira Parte
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Dois guerreiros, a espada e a lua
Parte I
I
Nada sei eu, só sou um bardo,
é minha vida outras vidas cantar;
Exaltar as batalhas do passado
é o que faço, é pelo que vão me pagar.
Quem poderá cantar o segredo do caos profundo?
Que Buda desvelará o mal de um amor fecundo?
Há um conto nobre, um conto escuro,
de dias escuros dos quais há pouco lembrar;
Essa lenda me foi passada por um bardo sujo,
um peregrino das terras das bandas do mar.
Senhores, parem, e ouçam um conto
de amor, mas há muito olvidado,
de um amor puro em um puro sonho,
adubado em carinho, regado co’o orvalho.
II
Conto um conto de dois guerreiros
- dois guerreiros sem nome ou fama –,
uma história corrida sob um chão vermelho,
sob um céu de medo numa lua branca.
Canto uma época, uma terra em túmulo
- que unia morte e vida n’uma só carne -,
cuja macabra sinfonia era ainda um prelúdio,
um início de crepúsculo, quando sombras caem...
Preparados estóis, meus ouvidos, para a lenda que contarei?
São já vossas almas preparadas para a saga que falarei?
Sabei pois que muita dor se passou, e de muita dor cantarei;
de corações que perecem na noite minha história comporei;
Pois dia não havia, não havia aurora, só havia a luz d’espírito,
cujo fulgor era qual da lua as chamas prateadas velozes no rio;
Dia branco nascia, o corpo, o gelo, a pálida espada no vazio
cortando além o nada enquanto crescia n’alma o vício.
III
Eis Japão antigo, terra de senhores,
sob única lei da espada: era vida
sangrando essências de matadores
e o direito que do forte não vacila;
Uma terra, muitos reinos:
como entre tantos um consenso há?
Doravante guerras permeiam
a negra época da qual me ponho a falar.
Havia ali sombras riscando a noite,
invisíveis sob estrelas fátuas;
Assassinos mestres, da morte a foice,
faiscando chamas sobre suas facas;
Havia também o samurai guerreiro,
a manipulação da lâmina a sua arte;
Em milícias, ou vagando sem medo
pela estrada, sob céus de mortandade.
IV
Oh, nobre Buda, quem diz o que virá?
Quem porventura diz quando da bétula
a derradeira pétala cairá?
Os verões passam, passa a tragédia,
mas a dor, quando passará?
Será que algum dia a floresta
de mágoa n’alguma alma findará?
Que calor ígneo, então, não há de passar?
E que destemido coração deste mundo,
do vento um dia o caminho tomará?
Será a vida como a palha velha
e seca, que há um dia de queimar?
De que nos serve a beleza eterna
se não há na sua essência amar?
V
Dentre todos, um palácio havia,
e um guerreiro fiel a seu senhor;
Tatsunaga era, pelo que se dizia,
seu nome, e era um brado de valor.
A visão de muitas batalhas vencidas
possuía, e sua espada um fio de temor;
O cabelo negro longo nas costas caía,
qual a correnteza das noites sem fulgor.
Era seu espírito de tal furor imbuído,
que seus olhos eram qual brasas rubras
em batalha, e frente a qualquer inimigo:
Eis um general antigo, sob antiga lua.
E por seus feitos, longo tempo
reinou em paz o seu Senhor;
Assim havia imaculado alento
naqueles campos, de frescor.
VI
Ah, ó deuses, quisera que permanecesse
imaculada a relva daqueles sítios!
Quisera que o sangue não escorresse
da veia funda, e ferisse o espírito!
Quisera não houvesse as vis correntes
que nos atam do Samsara à roda curva;
Quisera a liberdade pura fosse leme,
e a bandeira que ante o ignoto tremula;
Sim, muito melhor se assim fosse,
porém haveria que conto a contar?
Quais dos feitos sabidos hoje
persistiriam, se não houvesse sangrar?
Mesmo que, espinhosos, muitos laços
envolvam do amor o caminhar;
Mesmo seja o sofrer tal chicote árduo,
e traição desperte onde há mais confiar;
Ainda seja tudo isso até redobrado,
ainda assim, terá valido a pena amar...
(continua...)
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(Autor: Bruno Neves Oliveira)
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Dois guerreiros, a espada e a lua
Parte I
I
Nada sei eu, só sou um bardo,
é minha vida outras vidas cantar;
Exaltar as batalhas do passado
é o que faço, é pelo que vão me pagar.
Quem poderá cantar o segredo do caos profundo?
Que Buda desvelará o mal de um amor fecundo?
Há um conto nobre, um conto escuro,
de dias escuros dos quais há pouco lembrar;
Essa lenda me foi passada por um bardo sujo,
um peregrino das terras das bandas do mar.
Senhores, parem, e ouçam um conto
de amor, mas há muito olvidado,
de um amor puro em um puro sonho,
adubado em carinho, regado co’o orvalho.
II
Conto um conto de dois guerreiros
- dois guerreiros sem nome ou fama –,
uma história corrida sob um chão vermelho,
sob um céu de medo numa lua branca.
Canto uma época, uma terra em túmulo
- que unia morte e vida n’uma só carne -,
cuja macabra sinfonia era ainda um prelúdio,
um início de crepúsculo, quando sombras caem...
Preparados estóis, meus ouvidos, para a lenda que contarei?
São já vossas almas preparadas para a saga que falarei?
Sabei pois que muita dor se passou, e de muita dor cantarei;
de corações que perecem na noite minha história comporei;
Pois dia não havia, não havia aurora, só havia a luz d’espírito,
cujo fulgor era qual da lua as chamas prateadas velozes no rio;
Dia branco nascia, o corpo, o gelo, a pálida espada no vazio
cortando além o nada enquanto crescia n’alma o vício.
III
Eis Japão antigo, terra de senhores,
sob única lei da espada: era vida
sangrando essências de matadores
e o direito que do forte não vacila;
Uma terra, muitos reinos:
como entre tantos um consenso há?
Doravante guerras permeiam
a negra época da qual me ponho a falar.
Havia ali sombras riscando a noite,
invisíveis sob estrelas fátuas;
Assassinos mestres, da morte a foice,
faiscando chamas sobre suas facas;
Havia também o samurai guerreiro,
a manipulação da lâmina a sua arte;
Em milícias, ou vagando sem medo
pela estrada, sob céus de mortandade.
IV
Oh, nobre Buda, quem diz o que virá?
Quem porventura diz quando da bétula
a derradeira pétala cairá?
Os verões passam, passa a tragédia,
mas a dor, quando passará?
Será que algum dia a floresta
de mágoa n’alguma alma findará?
Que calor ígneo, então, não há de passar?
E que destemido coração deste mundo,
do vento um dia o caminho tomará?
Será a vida como a palha velha
e seca, que há um dia de queimar?
De que nos serve a beleza eterna
se não há na sua essência amar?
V
Dentre todos, um palácio havia,
e um guerreiro fiel a seu senhor;
Tatsunaga era, pelo que se dizia,
seu nome, e era um brado de valor.
A visão de muitas batalhas vencidas
possuía, e sua espada um fio de temor;
O cabelo negro longo nas costas caía,
qual a correnteza das noites sem fulgor.
Era seu espírito de tal furor imbuído,
que seus olhos eram qual brasas rubras
em batalha, e frente a qualquer inimigo:
Eis um general antigo, sob antiga lua.
E por seus feitos, longo tempo
reinou em paz o seu Senhor;
Assim havia imaculado alento
naqueles campos, de frescor.
VI
Ah, ó deuses, quisera que permanecesse
imaculada a relva daqueles sítios!
Quisera que o sangue não escorresse
da veia funda, e ferisse o espírito!
Quisera não houvesse as vis correntes
que nos atam do Samsara à roda curva;
Quisera a liberdade pura fosse leme,
e a bandeira que ante o ignoto tremula;
Sim, muito melhor se assim fosse,
porém haveria que conto a contar?
Quais dos feitos sabidos hoje
persistiriam, se não houvesse sangrar?
Mesmo que, espinhosos, muitos laços
envolvam do amor o caminhar;
Mesmo seja o sofrer tal chicote árduo,
e traição desperte onde há mais confiar;
Ainda seja tudo isso até redobrado,
ainda assim, terá valido a pena amar...
(continua...)
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(Autor: Bruno Neves Oliveira)