Segunda Parte
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Parte II
I
Sim, valido a pena amar terá,
ainda que uma faísca ligeira
este o seja na areia corrida já;
Tal é o amor deste conto,
uma faísca a sós na eternidade;
Não o julguem, pois, de pronto,
nem por cega fé o descartem;
Senhores, vós que haveis me ouvido,
sem vergonha eu clamo e digo:
eu nunca amei, não sei qu’é isso,
e muitos como eu têm tal vivido;
Porém, uma habilidade a tenho:
o amor achar onde há de fato
e respeitá-lo, em meu silêncio....
II
Assim, não muito tempo além,
eis que, em sangue e fogo,
já outra batalha vêm,
tão longe, de um lago à margem,
onde um vilarejo em cinzas mostrava
da vil força invasora a barbárie;
Confiante, o belo Tatsunaga
levou apenas si e cem espadas;
Sob sol, sob lua a cavalgada
os levou frente à face dessa armada.
Era porém já, oh, por demais tarde!,
quando atônito, o general imberbe
fitou a ruína no alvorecer do embate;
quando, quais rubras ondas cruéis,
invasoras hostes cercavam-n’olho,
e o coração por mil chagas ‘través;
quando diamantina gota escorreu,
serena, brilhante estrela no branco
da carne, até um lábio a sorveu;
quando, quais estéreis lenhos partidos,
caiam-lhe os filhos da bandeira vibrando só
na escuridão de medo que arrancou-lhe o grito;
quando, enfim, como do vulcão nas lavas,
um coração de fogo soçobrou nas águas
pastosas, vermelhas, d’um campo de batalha...
III
Não queria porém, o destino
[esse alto senhor, de eterno siso]
que Tatsunaga fosse ali caído,
talvez por aguardar-lhe nobre sina
ou tormentosos anos tantos ainda;
talvez por dádiva, ou divina graça
ou por sua quão incrível sorte d’alma;
O fato é que ali estava, sobre chão,
ao solo colado; e ouvia-se um só coração
que pulsava ainda da batalha em vão;
Sim, jazia, havia ali um corpo,
sim, d’um espírito quebrantado e rouco;
Nada além, ali, d’um corpo meramente,
cujo íntimo tombava-lhe impotente.
IV
Ah, senhores, não sabeis quão dolorosa
é a derrota; mas eu vos digo aqui, agora,
mil vezes maior é a dor do amor qu’imbora
se vai par’as não conhecidas plagas mortais;
Mil vezes mais sofrida, e o sangue que escorre
da ferida totalmente não curar-se pode;
Não há alívio, prece ou erva conhecida
que coagular tal profunda lesão consiga;
Chame-se do gélido cume a flor eterna,
ou da mata aberta, a doce ninfa;
Chame-se o sol, a lua, os frágeis dias,
ou d’imenso Fuji oval cratera;
Nada, nada cura a profundeza
do coração, pois que é inexplorada;
Qual rochedo qu’impiedoso mar açoiteia
e pulveriza, mas sobra-lhe a base intacta;
V
Já qu’em tal amor esse conto não chegou,
prossigamos nossa história, onde parou:
E lá estava, caído envolto em lama e dor
confiante general que a si mesmo inumou;
Já não viçava ânim’o olho
tetro, qual a pérola marinha;
Não mais na face o róseo coro
suave, qual pétala carmesina;
E trespassava-lhe as pupilas
todo o terror da destruição;
E adentrava-lhe pelas narinas
o sangue, a loucura, a convulsão.
Ergueu-se lento, e cada segundo
era um dia; e cada centímetro
era maior qui’a razão do mundo,
que nada mais era, que um centímetro.
VI
Ergueu-se, e mirou a esperança
desmoronar-se na luz na lâmina
de um inimigo que veloz avança;
O olho, a espada, nada existia
além de tal relação solitária;
Dois espelhos, era uma magia
a piscar no seio daquela plaga;
Dois homens, de bandeiras diversas
sobre a campina, já aquela hora erma,
ligados ao fio de uma história eterna;
Eis tragédia, eis fatídico instante,
ó passantes, que todo ser há de viver;
Cedo ou tarde, acalanto insone
ó homens, ouvireis, e irão reconhecer.
Não há tom ou palavra em seu cânone;
mas há o segredo supremo do morrer...
(continua...)
___________________
(Autor: Bruno Neves Oliveira)
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Parte II
I
Sim, valido a pena amar terá,
ainda que uma faísca ligeira
este o seja na areia corrida já;
Tal é o amor deste conto,
uma faísca a sós na eternidade;
Não o julguem, pois, de pronto,
nem por cega fé o descartem;
Senhores, vós que haveis me ouvido,
sem vergonha eu clamo e digo:
eu nunca amei, não sei qu’é isso,
e muitos como eu têm tal vivido;
Porém, uma habilidade a tenho:
o amor achar onde há de fato
e respeitá-lo, em meu silêncio....
II
Assim, não muito tempo além,
eis que, em sangue e fogo,
já outra batalha vêm,
tão longe, de um lago à margem,
onde um vilarejo em cinzas mostrava
da vil força invasora a barbárie;
Confiante, o belo Tatsunaga
levou apenas si e cem espadas;
Sob sol, sob lua a cavalgada
os levou frente à face dessa armada.
Era porém já, oh, por demais tarde!,
quando atônito, o general imberbe
fitou a ruína no alvorecer do embate;
quando, quais rubras ondas cruéis,
invasoras hostes cercavam-n’olho,
e o coração por mil chagas ‘través;
quando diamantina gota escorreu,
serena, brilhante estrela no branco
da carne, até um lábio a sorveu;
quando, quais estéreis lenhos partidos,
caiam-lhe os filhos da bandeira vibrando só
na escuridão de medo que arrancou-lhe o grito;
quando, enfim, como do vulcão nas lavas,
um coração de fogo soçobrou nas águas
pastosas, vermelhas, d’um campo de batalha...
III
Não queria porém, o destino
[esse alto senhor, de eterno siso]
que Tatsunaga fosse ali caído,
talvez por aguardar-lhe nobre sina
ou tormentosos anos tantos ainda;
talvez por dádiva, ou divina graça
ou por sua quão incrível sorte d’alma;
O fato é que ali estava, sobre chão,
ao solo colado; e ouvia-se um só coração
que pulsava ainda da batalha em vão;
Sim, jazia, havia ali um corpo,
sim, d’um espírito quebrantado e rouco;
Nada além, ali, d’um corpo meramente,
cujo íntimo tombava-lhe impotente.
IV
Ah, senhores, não sabeis quão dolorosa
é a derrota; mas eu vos digo aqui, agora,
mil vezes maior é a dor do amor qu’imbora
se vai par’as não conhecidas plagas mortais;
Mil vezes mais sofrida, e o sangue que escorre
da ferida totalmente não curar-se pode;
Não há alívio, prece ou erva conhecida
que coagular tal profunda lesão consiga;
Chame-se do gélido cume a flor eterna,
ou da mata aberta, a doce ninfa;
Chame-se o sol, a lua, os frágeis dias,
ou d’imenso Fuji oval cratera;
Nada, nada cura a profundeza
do coração, pois que é inexplorada;
Qual rochedo qu’impiedoso mar açoiteia
e pulveriza, mas sobra-lhe a base intacta;
V
Já qu’em tal amor esse conto não chegou,
prossigamos nossa história, onde parou:
E lá estava, caído envolto em lama e dor
confiante general que a si mesmo inumou;
Já não viçava ânim’o olho
tetro, qual a pérola marinha;
Não mais na face o róseo coro
suave, qual pétala carmesina;
E trespassava-lhe as pupilas
todo o terror da destruição;
E adentrava-lhe pelas narinas
o sangue, a loucura, a convulsão.
Ergueu-se lento, e cada segundo
era um dia; e cada centímetro
era maior qui’a razão do mundo,
que nada mais era, que um centímetro.
VI
Ergueu-se, e mirou a esperança
desmoronar-se na luz na lâmina
de um inimigo que veloz avança;
O olho, a espada, nada existia
além de tal relação solitária;
Dois espelhos, era uma magia
a piscar no seio daquela plaga;
Dois homens, de bandeiras diversas
sobre a campina, já aquela hora erma,
ligados ao fio de uma história eterna;
Eis tragédia, eis fatídico instante,
ó passantes, que todo ser há de viver;
Cedo ou tarde, acalanto insone
ó homens, ouvireis, e irão reconhecer.
Não há tom ou palavra em seu cânone;
mas há o segredo supremo do morrer...
(continua...)
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(Autor: Bruno Neves Oliveira)
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