Sob a lua vermelha de novembro...

Quando tudo isso começou? Quando as engrenagens do destino começaram a girar? Talvez seja impossível achar a resposta agora, profunda no fluir do tempo...

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Eu? Apenas mais um andante solitário...mas todos os andantes tem uma ou outra lição a passar devida à sua intimidade com a estrada. A estrada é sábia. Embora seja certo que o caminho ainda segue muito à frente... quantas lições nos esperam?

terça-feira, abril 12, 2005

Quarta Parte

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Parte IV

I

Uma saga de amor, sem dor não existe,
tampouco gravados serão seus dias felizes;
Fogem; só no coração sua perenidade persiste,
sim, com’uma memória para os tempos tristes.

As memórias.....que são, senão fardos,
senão pílulas d’um sono d’alma pesado?
Ah, honrados ouvintes, não vos iludam jamais
co’o futuro que nasce ou co’o passado que jaz.

São ambos tal a espada de dois gumes,
dilacerando a alma pouco a pouco;
São ambos tal a perfeita branca nuvem,
sumindo no azul do céu em torno;

Que, pois, vale mais que o presente?
Que vale mais do que o agora somente?
Mais que a prata, que o ouro; a vida
aqui se funde nessa rica e rara jazida.

II

Assim, um dia, silente, Sanahide partiu.
[o vento nunca pode encerrar seu caminho]
Partiu sem palavras, sem aviso ou brio,
nada o levando senão do destino o fio...

Para onde – quem sabe?
[eu não conheço o caminho dos ares...]
Porquê – quem diz?
[ninguém compreende os corações sutis...]

Ninguém compreende, e Tatsunaga
por muito tempo lamentou estas palavras;
Ninguém compreende; suas lágrimas
encerravam o canto d’uma alma amargada.

Fez um juramente secreto, no breu
seu espírito estivesse embora;
E então, após nove dias se ergueu,
e seu coração.... virou rocha.

III

E carregou então o vento
já mil folhas do cedro do tempo;
Levou, mas deixou o alento
da saudade a dois seios comendo.

Assim que sucumbiu
a milésima folha,
um levante surgiu
de assombrosa força.

Surgiu, e seu poder as barreiras
não o detinham, nem desgastavam;
Uma onda gigante, mira certeira
passo a passo em direção ao palácio.

Tatsunaga volveu a ser chamado, sua lâmina
volveu a carregar celeste tom dourado;
Reuniu um exército, d’uma magnitude tanta
que de soldados se viu o palácio esgotado.

IV

Num inverno, numa planície sem nome,
como titãs, as duas forças chocaram;
E fitou Tatsunaga, assombrado, o homem
que se encontrava no maior cavalo.

“Hide” – soprou, um suspiro sem tom,
impregnado c’o som do invisível.
“Tatsu” – seu coração [criara ouvidos]
ouvia um vibrante olhar longínquo.

Num instante, ouviu também seu coração
que Hide defendia a justiça; a ganância
de seu senhor ultrapassara sua razão,
cobrando mais que seu povo ganha.

Que razão, porém, poderá combater o coração?
[e tatsunaga não tinha um coração quebrado?]
Algum amor ultrapassará aos limites do chão?
[à honra, à lealdade, a um juramento sagrado?]

V

Se chocaram; um mar de sangue novamente
tingia a emplumada relva japonesa;
Tingia, um quadro vermelho na neve já quente
formando, lento, uma forma grotesca;

Formava, e um grotesco kami raivoso
já espiava a batalha com rubro foco;
[com olhos da cor da paixão?]

Um foco, lá estava Sanahide
furando corações à espada;
E lá, lá estava Tatsunaga,
e ao seu fogo nada resiste;

Nada, nem mesmo a brisa
que é tragada às suas brasas;
Nada, nem mesmo a justiça
que às cinzas é transformada.

A brisa, então, encontrou a brasa,
e o vento era um tufão, e o fogo
era um vulcão gigante em lavas
[que ventania apaga o ardor do amor?]

Se encontraram; e o enlace perdido
há mil folhas, refeito a brasas,
olho a olho, espada a espada,
dois espelhos pulsando num só destino.

E os flocos caíam, e caíam os golpes
no frio do inverno, no gelo do amor;
Tinidos ecoavam ao lado, mas a luta
real só existia entre os dois amantes;

E as lâminas brilhavam, era uma dança
uma dança de ódio, uma dança de paixão;
E a cada passo, o ataque à defesa se irmana,
[uma arte mágica brotava de cada coração...]

Nada existia, eram duas espadas,
e se fundiram, agora apenas uma:
uma espada encerrando o universo
na luz de sua lâmina prateada.

Por fim, tudo acabou; dois corpos
jaziam deitados sem sopro na batalha;
Sobre os brancos flocos, puros e ingênuos
que caíam, num instante, sob a luz...da espada.

VI

Ah, que os kamis deles tenham piedade!
Tão longe um amor profundo chegou,
que ultrapassou a dor, venceu a espada,
venceu a separação na fusão n’uma só alma.

Senhores, eis a história fatídica, eis a saga
que jaz por séculos esquecida;
Eis um último clamor do amor, da alma,
pelo fim do denso ódio egoísta;

Do fim do ódio, este
que separa tantas grandes almas,
Eu, um cego, nada mais aprendi
além disso, que não é nada...

Afinal... nada sei, só sou um bardo,
é minha vida outras vidas cantar;
Exaltar as batalhas do passado
é o que faço, é pelo que vão me pagar....

(Fim)

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* P.S: Após o canto, as moedas fervilharam no pote do velho bardo cego.
Um dos ouvintes então perguntou: “Qual é seu nome, ó sábio velho?”, e o bardo respondeu:
“Meu nome sopra nas brisas. Quem ouvir atentamente, o escutará.
Mas alguém....alguém me chamava de Hide” – e um brilho iluminou por um instante seus olhos, e desapareceu para sempre.
Nesse instante ele sumiu, e nunca mais foi visto. Eu guardei o pote comigo, como lembrança (as moedas também sumiram).
Às vezes, num final de tarde, fico pensando... talvez ele tivesse cantando o último eco de sua história, para que jamais fosse esquecida. Quando me perguntam “para onde ele foi?”, não tenho resposta, mas meu coração gosta de pensar que, talvez ... ele tenha, finalmente, partido para se unir ao vento....


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(Autor: Bruno Neves Oliveira)